INÍCIO

quinta-feira, 22 de março de 2012

DO SONHO AO PESADELO

ESTA POSTAGEM É UM EXCERTO CONSTITUÍDO DAS SEGUINTES PARTES DO LIVRO “FRÁGIL? NEM TANTO – A HISTÓRIA DE UMA TRABALHADORA BRASILEIRA VÍTIMA DO NEOLIBERALISMO”, PUBLICADO PELA EDITORA VOZES, NO ANO 2000:

I – PREFÁCIO DE SALETE MARIA POLITA MACCALÓZ – JUÍZA TITULAR DA 7ª VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO E PROF.ª  DE DIREITO DO TRABALHO DA UERJ

II – APRESENTAÇÃO DE HELONEIDA STUDART – JORNALISTA, ESCRITORA E EX-DEPUTADA ESTADUAL DO PT/RJ.

III – DO SONHO AO PESADELO – CAPÍTULO 5 DO CITADO LIVRO. É PARTE DA MINHA HISTÓRIA, QUE MOSTRA O MASSACRE IMPOSTO AO TRABALHADOR BRASILEIRO NA ERA FHC. UM GOVERNO QUE NÃO HESITOU EM PISOTEAR NA CONSTITUIÇÃO PARA CONCRETIZAR SEUS COVARDES INTENTOS.

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I – PREFÁCIO

      A história da luta das mulheres brasileiras passa por Marias, Anas, Leocádias, Anitas, Marlis, Olgas, Esters, Conceições, Joanas, Dulces, Teresas, Cristinas, Amélias, Inêses, Carlas, Tietas e muitas outras mais. Está repleta de casos de muita dor, sofrimento e tristeza, mas também de glória e esperança.

      Pelos idos de 1840, uma certa Anita mostrou muito bem a saga das mulheres que, no Sul, passaram por cima de todos os preconceitos de uma  sociedade machista e deram grande contribuição ao processo de libertação das catarinenses e gaúchas. Anos mais tarde, na Itália, Anita Garibaldi mostrou ao mundo a coragem de mulher destemida, capaz de enfrentar qualquer adversidade, até mesmo os laços familiares, em prol da liberdade e de seus ideais.

      Olga Benário, na luta contra a ditadura Vargas e os nazistas, Marli, doméstica capaz de enfrentar um batalhão de PMs perfilados, em busca de justiça, Terezinha Zerbine, no Comitê da Anistia contra a sangrenta ditadura brasileira, tentando reconstruir os lares, destruídos e amordaçados pelos militares.

      Ester Neves nos traz nestes seus escritos a luta travada por mais uma mulher, vinda do interior do Pará, às margens do Rio Tapajós, com suas estórias de criança pobre, marcada por alegrias e tristeza que foram forjando seu caráter, a alegria inocente das brincadeiras infantis, até o encontro com a sociedade capitalista incapaz de perdoar aqueles que atravessam o seu caminho.

      Ester é igual a todas as mulheres que se entregaram, à custa de sacrifícios pessoais e familiares, ao sonho de ser professora primária, porque era o caminho preestabelecido de promoção social.

      Na sua vez, a remuneração foi esvaziada e o trabalho precarizado. Vai à universidade, porque a promoção da classe média passa pelo título de “doutor”. Mas o que se faz com um título de pedagoga? A disciplina do estudo lhe autoriza ingresso no poderoso INPS, onde assiste ao esvaziamento do serviço público, na ausência de carreira e má remuneração do servidor. E os bancos? Ser bancário permitiu uma ou duas gerações anteriores galgar patamares econômicos.

     No BASA, Ester assistiu o desmantelamento das empresas estatais, e, ao longo de uma vida perseguindo a tão anunciada promoção social, pelo estudo, trabalho e competência, viu se afastando cada vez mais o horizonte da cidadania digna.

      Esse horizonte perdido é mais das mulheres, porque as carreiras femininas foram mais rapidamente empobrecidas e diminuídas.

      O bom, Ester, é que você tem clarividência de sua trajetória e certeza de que somos muitas.

      A inocência, às vezes, não nos deixa ver que no processo de construção por uma sociedade mais justa e humana, num determinado momento, aquele que está ao lado e ocupa um lugar na mesma trincheira, fica pelo caminho e, muitas vezes, se trata de um dos nossos melhores quadros, justamente no momento em que estamos começando a construir um novo caminho, quando o povo está cheio de esperança, após anos de luta, quando acreditamos que o regime selvagem está nos últimos suspiros, somos apunhalados pela vaidade, pelo que cede aos títulos honoríficos (Príncipe dos sociólogos), cede aos apelos do capital, e capitula ante as lantejoulas jogadas dos camarotes.

      Ester não foi a primeira e não será a última das brasileiras a mostrar sua dor, mas, certamente, seu relato não só comove, mas com lucidez e conhecimento mostra a trajetória de uma pessoa crente nos ensinamentos cristãos, no amor e na vida, descobrindo, à custa de muitas feridas e lágrimas, que o sistema é corrupto, sem ética e que tem seus pilares calcados no egoísmo.

      Não acredito em nomes pomposos, eles encobrem a luta sem trégua do capital, cada vez mais hegemônico. O embate está entre os que defendem o status quo, e aqueles que são contra: onde estão os culpados dos massacres de Carajás e Carandiru, das chacinas de Vigário Geral e Candelária? Por que privatizações desmedidas de nossas empresas, a entrega de nossas riquezas, tudo isso sob a falácia de tempos modernos, de sociedade globalizada?

      O apetite desse sistema oligárquico e elitista não dispensa nem mesmo os mais velhos e, em nome de compromissos assumidos com o FMI, passa por cima das leis, imprimindo mais sofrimento às pessoas, que após anos de trabalho esperam um final de vida mais tranquilo.

      No entanto, mesmo nessa luta desigual, a sociedade não tem se dado por vencida e resiste, mesmo lentamente, como Ester Neves caminha sabendo que, ao final, triunfaremos.

Salete Maria Polita Maccalóz
Juíza da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro
Profª de Direito

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II – APRESENTAÇÃO – UM LIBELO

      Eu sempre insisto com as mulheres para que escrevam. Para que contem ao maior número de pessoas possível suas experiências e histórias de suas vidas. A maioria delas se acostumou a ser a maioria silenciosa. E, por isso, muitas experiências e reflexões preciosas se perdem. Felizmente, não foi esse o caso da cidadã Ester Neves. Percebendo, na própria pele, que estava vivendo no país mais injusto do mundo, resolveu relatar a sua vivência da injustiça, para melhor protestar e esclarecer os outros. E muitos outros, a maioria – como Ester bem sabe - continuam por aí, omissos, recuados, enquanto o neoliberalismo devasta as conquistas sociais obtidas em décadas de luta. As lágrimas da Ester criança, por não ter tido bicicleta ou ter visto os seus poucos brinquedos destruídos, são diferentes das lágrimas da Ester adulta e trabalhadora quando viu seu direito negado nos tristes episódios do Banco da Amazônia. Porque este é um pranto amargo, de dor, de inconformidade. O mesmo que estão chorando os trabalhadores do Banerj, da Vale do Rio Doce, da Petrobrás. A demolição do Estado em nosso país não é apenas a destruição de uma instituição. É a destruição de vidas, de pessoas de classe e alma, com sentimentos, emoções, medos, ansiedades. Ester, como mulher evangélica, sabe bem disso. E a tragédia lhe dói mais porque foi tucana, acreditou que o PSDB era um partido social democrata. Seu livro é um libelo. E só não nos deixa desesperançados, porque Ester vai continuar a luta como ela deve ser trava. Solidária a outros trabalhadores. Transparente, corajosa e altaneira.

Heloneida Studart
Jornalista, escritora e ex-Deputada estadual do PT/RJ

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III - DO SONHO AO PESADELO

      Já se foram os anos em que milhares e milhares de jovens brasileiros, que não haviam nascido em berço de ouro, como eu, tiveram o sonho de conquistar o seu espaço através de um emprego que lhe pagasse um salário digno. E, desse modo, pudesse satisfazer as suas necessidades e as de suas famílias. O que não é fácil, num país como o nosso, caracterizado por uma enorme distância, entre a elite privilegiada e a maioria dos cidadãos.

      As estatais, como o Banco do Brasil, Banco da Amazônia, Petrobrás e outras, estavam entre as empresas que tratavam os seus empregados com o respeito que merece ser tratado todo cidadão trabalhador brasileiro.

      Ora, afinal, pagar um salário que garanta ao trabalhador as condições de suprir as suas necessidades vitais básicas e as de sua família como moradia, alimentação, saúde, lazer, vestuário, etc., não é nenhum ato de misericórdia da classe patronal, é, antes d tudo, um dever ético, moral, cristão e constitucional que garantem esses direitos. É, ainda, uma atitude de bom senso e responsabilidade da empresa, no cumprimento do seu importante papel, para a construção do Brasil social.

      Realmente, o pagamento de um salário digno foi o principal estímulo, que me levou a mudar de emprego. Foi assim que pedi a minha demissão do INPS (hoje INSS), o que ocorreu em 24 de fevereiro de 1975. Sendo que, nesse mesmo dia, fui admitida no quadro de pessoal do Banco da Amazônia, após ter sido aprovada em concurso público.

      Por vários anos esse banco, na condição de empregador, deu um tratamento condigno aos seus funcionários. Era, realmente, um privilégio, para os trabalhadores do BASA, e demais estatais, terem os seus direitos respeitados, num país como o nosso classificado como o campeão da desigualdade social, na América Latina. Porém, veio a era da globalização, sob a égide dos ventos neoliberais, e com eles uma verdadeira perseguição a esses funcionários. Pois é estratégia desse capitalismo selvagem, adotado em nosso país, nivelar os trabalhadores por baixo.
      Foi assim que vi se esvair o meu sonho de uma vida digna, na condição de trabalhadora, pela qual eu tanto lutei.

      A cada plano implementado mais dificuldades, ao ponto de não mais conseguir pagar um bom colégio para os meus filhos. Em razão disso tive que me submeter ao maior sacrifício que pode ser imposto a uma mãe: em fevereiro de 1994, tive que abrir mão da guarda dos meus filhos, para que fossem morar com o pai deles, em outro país. Na ocasião o meu filho, Rômulo, estava com 16 anos e minha filha, Cristhiane, com 15. Eu não queria isso, muito menos eles. Porém, foi o sacrifício que tivemos que nos impor, em troca de uma oportunidade, em que pudessem melhor se preparar para o futuro. Tem sido difícil para nós.
      Isso é terrível e muito triste, pois, num país rico como o nosso, é inaceitável que nossos jovens tenham que sair do país para conquistar o seu espaço.

      Para compensar a defasagem salarial, e, talvez, ter condições de trazer meus filhos de volta, eu não via chegar a hora de completar o meu tempo de INSS, para pedir a minha aposentadoria proporcional. E, assim, tão logo completei 25 anos de contribuições previdenciárias, em agosto de 1995, pedi a minha aposentadoria.

      Era prática no banco, como em todas as estatais, que o funcionário aposentado continuasse trabalhando. Até porque, no meu caso, eu ainda não tinha o tempo necessário de contribuições previdenciárias, exigido pela CAPAF, fundo de pensão privado, dos funcionários do BASA, para que eu tivesse direito à minha aposentadoria complementar.

      Na condição de aposentada, por absoluta necessidade, e no gozo de um legítimo direito, para o qual eu contribuí financeiramente, eu só não imaginava que eu estivesse me colocado numa posição ainda mais vulnerável à sanha neoliberal.

      Comecei a desfrutar o direito de aposentada pelo INSS, a partir de 11 de setembro de 1995. Mas continuei trabalhando no BASA, uma vez que isso era permitido. Pois, segundo o princípio constitucional de legalidade, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei. Aliás, conforme já mencionei, eu só pedi a minha aposentadoria proporcional porque era permitido que o trabalhador permanecesse no emprego, uma vez que sobreviver com dignidade, apenas com o irrisório valor pago pelo INSS, é algo impossível.

      Portanto, continuar trabalhando era para mim uma necessidade imperiosa, pelo menos até completar o tempo de contribuição necessário ao nosso fundo de pensão, que me dava direito à complementação da aposentadoria.

      Outro motivo que não me permitia pedir o imediato desligamento do banco, na condição de aposentada, era o fato de eu estar comprometida financeiramente com o próprio banco, devendo o cheque especial, e empréstimos junto a CAPAF, nosso fundo de pensão.

      Fiquei tranquila até final de julho de 1996, quando tomei conhecimento do Boletim de Serviço do BASA, datado de 26.7.1996. Através dele a Diretoria do Banco da Amazônia estabelecia a data de 21.12.1996 para o desligamento de todos os funcionários que “se encontravam em atividade com aposentadoria concedida pelo INSS”.

      Até aquela data isso nunca tinha acontecido. É como mudar as regras do jogo em pleno andamento da partida.

      Naquela ocasião a Justiça, através de uma liminar, suspendeu essa imoralidade.

      O que eu desejava mesmo era participar de um programa de demissão voluntária, nos moldes dos que estavam ocorrendo em outras estatais do sistema financeiro. Pois, gostaria de ter condições de me dedicar à realização de um projeto educacional, por mim idealizado, que visa a capacitação de mulher cristã para o exercício da sua cidadania. Assim, antes de aposentar-me, fiz essa reivindicação ao Banco, a qual me foi negada, conforme decisão da Diretoria do BASA, datada de 7 de agosto de 1995, em meu poder.

      Logo após ter pedido a minha aposentadoria, fiquei sabendo, extraoficialmente, que o Banco estava preparando um programa de desligamento voluntário para ser oferecido aos seus empregados, embora tivesse indeferido a minha reivindicação. O que mais tarde veio a se confirmar.

      No dia 28 de novembro de 1996, o BASA divulgou o seu tão esperado Programa de Desligamento Voluntário Seletivo (PDVS), para decepção de muitos, inclusive a minha.

      Conforme já mencionei no primeiro capítulo deste livro, a primeira versão do PDVS do BASA deixava muito a desejar, em relação aos demais programas implementados por outros órgãos estatais do sistema financeiro.

      Eu e minha colega Ieda Miranda fizemos uma carta com algumas reivindicações no sentido de que o PDVS fosse melhorado, inclusive que o Banco desconsiderasse sua imposição de não permitir que participassem do programa os empregados de mais de 22 (sexo feminino) e 27 (sexo masculino) anos de contribuição à Previdência Oficial. 32 colegas assinaram essa carta comigo. Então, procuramos um advogado do Sindicato dos Bancários, que sugeriu que nossas reivindicações fossem encaminhadas através do sindicato, com o que concordamos, e, desse modo, nossas contrapropostas foram encaminhadas à Diretoria do BASA.

      As nossas reivindicações foram atendidas, em parte.

      Com a nova versão do PDVS, “os empregados com mais de 22 (sexo feminino) e 27 (sexo masculino) anos de contribuição para a Previdência Oficial poderiam aderir ao PDSV, desde que não estivessem aposentados”. Assim, eu continuei sendo discriminada.

      Vejam só a injustiça: o Banco não me deixou participar do PDVS por já estar aposentada, entretanto, não impediu, e nem poderia impedir, que algumas ex-colegas que dele participaram, que já tivessem, ou tão logo tenham completado 25 anos de contribuições para o INSS, conseguissem as suas aposentadoria. A discriminação que me foi imposta causou-me os seguintes prejuízos, em relação a esses colegas:

1.     Não recebi a indenização referente ao PDVS;

2.     A minha ex-colega Iêda Miranda, por exemplo, participou do Programa e imediatamente pediu a sua aposentadoria, com base no mesmo tempo de contribuições previdenciárias que a minha, ou seja, 25 anos de contribuição, ambas considerando-se o limite de 10 (dez) salários de referência (o maior valor exigido para empregados do setor privado e estatal), e, no entanto recebe uma aposentadoria maior que a minha, quase R$-100,00 (cem reais) na ocasião da aposentadoria, em 1999 .

3.     Embora a minha aposentadoria seja com base em 25 anos, contribuí 27 anos e 5 meses, porque continuei a pagar ao INSS, compulsoriamente, durante o tempo que trabalhei depois de aposentada. Portanto, contribui 2 anos e 5 meses a mais. Esse valor retirado do meu salário, após eu já estar aposentada, sem nenhuma retribuição em troca, é caracterizado como um confisco, porque “não pode haver contribuição sem retribuição”. Vê por essa ótica, por exemplo, o Ministro Carlos Veloso, presidente do Supremo Tribunal Federal, e, tenho certeza, todos os cidadãos que militam em prol da verdadeira justiça. O ex-presidente Itamar Franco, homem de caráter ético, sensível e humano, muito diferente do atual presidente, FHC, não permitiu a prática dessa injustiça em seu governo. O trabalhador aposentado não era obrigado a contribuir para o INSS, caso precisasse continuar na ativa, como o meu caso.

      Conforme já vimos, de acordo com o princípio constitucional da legalidade, “ninguém pode ser proibido de fazer algo, senão em virtude da lei”, e, como não havia lei alguma que quebrasse o meu vínculo empregatício com o Banco, em virtude da concessão da minha aposentadoria, eu tinha o direito de continuar trabalhando.

      Diz ainda a Constituição: “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.

      Com o devido amparo nos preceitos constitucionais acima transcritos, eu poderia ter ficado tranqüila se tivesse a ilusão de que FHC fosse um governante que respeita os direitos dos cidadãos brasileiros. Todavia, fiquei angustiada com aquela situação, visto que a marca registrada desse governo tem sido pisotear a nossa Carta Magna, principalmente nos pontos referentes aos direitos individuais, que podem ser utilizados para garantir a dignidade dos cidadãos trabalhadores, cada dia mais massacrados.

   A AEBA – Associação dos Empregados do Banco da Amazônia, através de matéria publicada em seu jornal, tendo como base parecer de sua assessoria jurídica, procurou tranquilizar os trabalhadores que estavam na minha situação, dizia: “A obrigatoriedade do afastamento do empregado só será válida para quem fizer o pedido do benefício proporcional após a publicação no Diário oficial da União, da Medida Provisória que regulamentará o assunto. Quem entrou com o pedido antes da publicação da MP não pode ser atingido pela medida. Esse segurado fez a solicitação do benefício dentro das normas vigentes na época, que não exigiam o afastamento, ou seja, agiu dentro do ato jurídico perfeito.  Pela Constituição, nenhuma lei pode retroagir para prejudicar quem quer que seja ou contrariar o ato jurídico perfeito”.

      Entretanto, para meu desespero, o temor de que o governo me prejudicasse ainda mais, rasgando a Constituição e pisoteando o meu direito, confirmou-se: No dia 29 de janeiro de 1998, através da Carta Circular nº 98/003, datada de 26.1.1998, assinada pelo Diretor Administrativo do BASA, José das Neves Capela, tomei conhecimento de que eu tinha até o dia seguinte (29.11.1998) para entregar ao setor competente o comprovante do pedido de suspensão da minha aposentadoria, se quisesse continuar trabalhando no Banco. Dizia essa Carta Circular que referida imposição era para atender ao dispositivo da Lei 9528/97, de 10.12.1997.

      Ora, a Constituição é muito clara quanto a essa questão, no Capítulo I, Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, Itens XXXVI e XL, que dizem: “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito...; e a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Como então eu poderia ser prejudicada por uma Lei de dezembro de 1997, por encontrar-me no gozo de um legítimo direito desde setembro de 1995? Como o governo poderia me impor uma pena “sem prévia cominação legal”?

      Claro que eu sabia que o Governo era bem capaz de não respeitar os meus direitos. Pois, são muitas as situações nas quais tem agido em flagrante desrespeito a nossa Constituição. Será que não sabe que isso é crime?

      É provável que em qualquer circunstância eu não abrisse mão do meu direito, sou de lutar, mas a principal causa que me impossibilitava de pedir a suspensão da minha aposentadoria, conforme já mencionei anteriormente, era a minha situação financeira.

      Outra coisa absurda, com a qual eu não podia concordar, é que, conforme a Ordem de Serviço do INSS/DSS nº 592, de 7.1.1998, as contribuições para o INSS, durante o período de suspensão da aposentadoria, não gerariam nenhum efeito. Fato esse inaceitável, principalmente considerando-se que a minha aposentadoria era proporcional.

      Ora, era uma questão de bom senso, o mínimo que se podia esperar, no caso da suspensão de uma aposentadoria proporcional, era que se voltasse a contar o tempo, para efeito do cálculo do valor da aposentadoria. Portanto eu não podia concordar com esse confisco imoral.

      Eu jamais me submeteria a uma imposição imoral e até mesmo criminosa, na medida em que foi concebida em desacordo com a Constituição do nosso país. Por isso, no dia seguinte, 30.1.1998, recebi uma carta do Banco, comunicando o meu desligamento, conforme abaixo:

Considerando que não usou da faculdade da Lei nº 9.528/97, operou-se a extinção do seu contrato de trabalho (art. 11 da Lei nº 9.528/97 na data da respectiva aposentadoria espontânea e seu desligamento do Banco dar-se-á no final do expediente desta data).

Esclarecemos que a decisão tomada pelo Banco tem amparo no art. 37, XVI, da Constituição Federal combinado com o parágrafo 1º do art. 453 da Consolidação das Leis do Trabalho, com a redação que lhe deu a Lei nº 9.528 de 10 de dezembro de 1997, e na jurisprudência do STF.
       
      Ora, até o dia em que recebi essa carta do Banco, nunca havia sido cumprido esse tal art. 453 da CLT, por nenhuma empresa estatal, inclusive pelo Banco. Assim, eram favorecidos, até então, todos os empregados, que se aposentavam e continuavam trabalhando. Desse modo, considerando-se o princípio constitucional que define que “todos são iguais perante a Lei”, não é justo que eu seja submetida a essa discriminação.

      Bem, do ponto de vista legal, sei que o Banco não poderia usar como justificativa o parágrafo 1º do art. 453 da CLT, com a redação que lhe deu uma lei de dezembro de 1997, sob pena de estar desrespeitando a Constituição Federal, Capítulo I, Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, Art. 5º, Item XL, que diz: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.

      Fiquei curiosa quanto à justificativa de que o meu desligamento teria amparo legal no art. 37, XVI, da Constituição Federal. Corri para casa, peguei a Constituição, e fiquei surpresa e indignada, quando li no artigo em referência o seguinte: “é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto quando houver compatibilidade de horários: a) a de dois cargos de professor; b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; c) a de dois cargos privativos de médico”.
      Ora, desde quando eu estava acumulando remuneração de dois cargos públicos? Desde quando a condição de aposentada significa a mesma coisa que estar no exercício de um cargo público?

      Sabemos que o Governo FHC costuma tirar recursos da Previdência Social para distribuir benesses, como, por exemplo, 1 milhão de reais, recentemente doados a uma fundação baiana, que tem o nome do filho falecido do senador Antônio Carlos Magalhães. Entretanto, a aposentadoria é um seguro social, e direito conquistado pelo trabalhador, através de suas contribuições pessoais, que não pode ser confundida com doação ou favor.
     
      Não parou por aí o desrespeito do Governo, pois, além de não me fazer qualquer indenização, não me permitiu sacar o FGTS correspondente ao período que trabalhei após estar aposentada (setembro/95 a janeiro/98), de acordo com decisão governamental, também de dezembro de 1997. Um dinheiro depositado na minha conta, fruto de um direito até então em vigor, tanto assim que até novembro de 1997 eu poderia tê-lo sacado para compra de um imóvel. Portanto, nessa questão o Governo também retroagiu, para me prejudicar.
      E tem mais, o art.3º do Estatuto do Obreiro considera empregado “toda pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”. Logo, da data da minha aposentadoria até o meu desligamento, o meu vínculo empregatício com o Banco foi concretizado a partir do efetivo exercício do mister, que, por si só já caracteriza um contrato de trabalho, com todos os direitos implícitos. É óbvio.

      Na impossibilidade de continuar contribuindo para o fundo de pensão dos funcionários do Banco, com os minguados valores da minha aposentadoria, de acordo com dispositivo estatutário devolveram-me uma parte do valor total contribuído. E foi com esses recursos que eu liquidei o valor utilizado do cheque especial e os empréstimos que eu havia contraído junto a esse mesmo fundo.

       Não tem sido fácil para eu ver o meu sonho de uma vida digna, para a qual eu tanto lutei virar pesadelo.

      O que uma cidadã, como eu, pode esperar quando vive num país onde não há respeito pelas leis, de parte daquele que deveria dar o exemplo como chefe da Nação? Será que podemos dizer que no Brasil existe um Estado de Direito para todos? Ninguém conseguirá me convencer disso.

      Eu jamais deixaria de lutar por meus direitos. Luta que, inclusive, qualquer cidadão consciente sabe que começa com a sua participação política, no sentido de fortalecer a democracia.

      A participação efetiva e consciente do cidadão é um instrumento eficaz para a conquista de seus direitos e para fazê-los prevalecer.

      Estou em busca de justiça. Neste sentido procurei o sindicato dos bancários, ao qual eu era filiada, para inicio de um processo judicial.

      Quero ressaltar que os meus colegas que estavam aposentados, como eu, e que permaneceram trabalhando no Banco, por terem pedido a suspensão de suas aposentadorias, conforme Ordem de Serviço do INSS, já mencionada, recuperaram seus direitos, por decisão da própria Diretoria Colegiada do Instituto Nacional do Seguro social, publicada no Diário Oficial da União, de 8 de fevereiro de 2000. E, assim, voltaram a receber tanto os seus proventos gerados em função de suas atividades funcionais, como os de suas atividades funcionais, como os de suas respectivas aposentadorias.

        Não é fácil ter esperança quando se vive num país como o Brasil, marcado pelo desrespeito à dignidade do seu povo. Pois, se assim não fosse, ele não seria o campeão da desigualdade social na América Latina. Você não acha?

      Mas, apesar das circunstâncias desfavoráveis, tenho muita fé em Deus que, ao final do processo, a verdadeira justiça prevalecerá.

Na postagem seguinte, veja a possibilidade de eu ter sido vítima de perseguição política.

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